Mises Brasil [thanks for translating! Original English version is here; my 1987 Wall Street Journal oped is here]
Alguns fatos cômicos (e patéticos) sobre o comércio internacional dentro do bloco soviético
by James Bovard, November 12, 2019
Uma das maiores contribuições de Ludwig von Mises ao pensamento econômico moderno foi a sua demonstração irrefutável de que o cálculo econômico sob o socialismo é impossível. Essa verdade indelével merece ser continuamente relembrada sempre que vários esquerdistas começam a se tornar saudosos do socialismo.
Com efeito, nada ilustra mais vivamente a paralisia mental gerada pelo socialismo do que as práticas de comércio exterior adotadas pelos regimes do Leste Europeu.
Em 1986, um guarda de fronteira tcheco parou uma família polonesa que estava saindo da Tchecoslováquia e ordenou à criança polonesa que retirasse seus novos sapatos tchecos “porque levar sapatos de crianças para fora do país é proibido”. O guarda de fronteira polonês assistiu à cena passivamente — e então parou um carro tcheco vindo de Varsóvia e ordenou que os novos pneus poloneses fossem retirados das rodas do carro, alegando que haviam sido ilegalmente adquiridos na Polônia.
As desavenças comerciais típicas dos países do Ocidente eram meros piqueniques em relação às brigas comerciais dos países socialistas do Leste Europeu. O COMECON — Conselho para a Mútua Cooperação Econômica — era zombado pelos cidadãos do Leste Europeu como “conselho para a mútua troca de ineficiência”. O COMECON era a organização que regulava o comércio exterior de um grupo de nações que instintivamente odiava o comércio exterior.
Em Budapeste, a máxima popular era: “Nós enviamos cereais aos tchecos e eles enviam maquinários aos poloneses. Os poloneses então enviam produtos químicos para a União Soviética e, como pagamento final, nós húngaros recebemos dos russos um grupo de danças folclóricas”.
O comércio exterior era uma guerra perpétua no Leste Europeu porque absolutamente ninguém concordava com os preços estabelecidos. Na prática, os preços eram “burocraticamente estipulados, com total desconsideração por importantes noções econômicas, como custos ou nível de demanda.”
Mas piora: como as moedas de cada país não eram conversíveis, eles utilizavam o rublo transferível, que era a moeda oficial do COMECON. Mas o rublo transferível era tão transferível quanto uma cédula feita de celofane. E dado que cada governo socialista determinava seus preços nacionais de acordo com seus próprios caprichos — normalmente sem prestar qualquer atenção aos preços vigentes ao redor do mundo —, o resultado era que ninguém se entendia, ninguém aceitava os preços, ninguém aceitava a moeda de ninguém (e nem o rublo transferível), e ninguém transacionava.
À base do escambo
Assim, os acordos comerciais entre os países do Bloco Oriental eram normalmente baseados em arranjos primitivos, como o simples escambo. O método mais frequente era estipular o peso dos objetos a serem comercializados, sem nenhuma consideração (ou mesmo recompensa) pela qualidade.
No início da década de 1980, Tchecoslováquia e Polônia concordaram em criar um arranjo no qual cada lado produziria peças de tratores e comercializariam entre si. Só que ambos eram incapazes de chegar a um acordo em relação aos preços praticados. Consequentemente, passaram a simplesmente trocar um quilograma de peças de trator tcheco por um quilograma de peças de trator polonês. Porém, com o tempo, cada lado começou a pensar que estava sendo trapaceado pelo outro. E aí até mesmo este acordo primitivo entrou em colapso.
Como Mises já havia explicado e previsto, se não há propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre eles. Sem mercado, não há como surgir preços. E, sem preços, não há cálculo econômico. No bloco soviético, a incapacidade de se fazer cálculos acurados em relação a preços e custos tornava a especialização na produção de peças, componentes e bens de capital praticamente impossível.
E como os acordos comerciais se baseavam em quantidades físicas, os países não só não tinham nenhum incentivo para aprimorar a qualidade dos bens, como ainda faziam de tudo para maximizar o peso de seus maquinários e produtos. Consequentemente, as indústrias do Leste Europeu consumiam até três vezes mais insumos e matérias-primas por unidade produzida do que os fabricantes ocidentais.
Obviamente, aquilo que parecia ser uma virtude dentro do COMECON (máquinas pesadas, porém ineficientes) se tornava um defeito fatal perante o resto do mundo. Como reclamou o diretor do Comitê Nacional de Planejamento da Hungria, “É difícil comprar dos países do Comecon, e é difícil vender para os países do Ocidente”.
Por tudo isso, os líderes do Leste Europeu não confiavam no comércio exterior. E, dado que cada governo socialista estava obcecado em planejar sua própria economia, cada país tentava minimizar a influência estrangeira.
Essa desconfiança em relação ao comércio era compreensível porque os membros do COMECON eram famosos por sua “baixa disciplina” para enviar produtos, como diria um eufemismo socialista. Depender de insumos fornecidos por outro país — o qual não tinha nenhum interesse em fornecer produtos de qualidade — podia significar a bancarrota de vários setores da economia.
Os soviéticos pararam de exportar seu algodão de maior qualidade para seus aliados do Pacto de Varsóvia, e isso por sua vez afetou a capacidade do Leste Europeu de exportar vestuário para o Ocidente. Os soviéticos também forneciam eletricidade para seus vizinhos, mas a má qualidade das redes elétricas levou a um crescente número de apagões e racionamento de energia, causando sérios danos à indústria húngara.
A tradicional desconsideração dos socialistas pelos consumidores alcançava extremos patológicos quando o consumidor era um estrangeiro — ou ao menos um estrangeiro que não estava pagando com moeda forte e conversível. Era extremamente difícil conseguir peças de reposição para bens produzidos em outros países socialistas. Por exemplo, a Hungria tinha de importar da América Latina peças de reposição para seus carros (Trabants) da Alemanha Oriental.
E era assim porque, de um lado, não havia um estoque de peças sobressalentes e, para as poucas existentes, os húngaros não aceitavam os preços estipulados pelos alemães orientais; de outro, nenhum cidadão e nenhuma fábrica da Alemanha Oriental aceitavam abrir mão de suas escassas peças mecânicas (que possuem alguma utilidade) em troca de uma moeda de papel inconversível e que nada valia.
O objetivo era o déficit comercial
Ao passo que no Ocidente a maioria dos países almeja um superávit comercial, no Bloco Oriental cada país almejava um déficit comercial (importar mais do que exportar). Óbvio. Exportar mais do que importar não era vantagem nenhuma. Quem exportava mais do que importava ficava com menos produtos no mercado interno e, em troca, recebia uma moeda sem nenhum valor. A principal função dos “rublos transferíveis” era servir como papel de parede e limpar o chão.
Por isso, cada país socialista era extremamente cuidadoso para não ter um superávit comercial. E, como consequência, o comércio entre os países do Leste Europeu era bem mais “equilibrado” do que nos países ocidentais. Mais uma prova de que almejar um “equilíbrio comercial internacional” não é necessariamente positivo.
E não só os países se esforçavam para equilibrar seu comércio uns com os outros a cada ano, como também tentavam equilibrar, de maneira rigorosa, o comércio de cada grupo de mercadoria. Quando a Hungria inventou o Cubo Mágico (também conhecido como Cubo de Rubik), vários russos queriam adquirir aquele brinquedo que viria a ser a sensação mundial do ano. Porém, se a Hungria aumentasse suas exportações do Cubo para os soviéticos, ela teria de reduzir suas outras vendas (mais importantes) para os soviéticos. Consequentemente, o país não fez nenhum esforço para satisfazer a demanda russa.
Ganhos de arbitragem
A enorme discrepância de escassez e subsídios entre os países socialistas criou enormes incentivos para ganhos de arbitragem por indivíduos.
Poloneses costumavam adquirir bens na Alemanha Oriental (país mais rico e de maior abundância) para revender no mercado negro da Romênia (país mais pobre e de maior escassez) em troca de moeda forte. Consequentemente, a Alemanha Oriental praticamente fechou suas fronteiras para os poloneses. E a Romênia, sabendo que os poloneses estavam indo lá para obter moeda forte no mercado negro, só permitia que poloneses portando algum objeto entrassem no país se eles antecipadamente fizessem um depósito em moeda ocidental forte para cada item transportado.
Os guardas da fronteira da Alemanha Oriental rotineiramente confiscavam os sapatos dos cidadãos de outros países socialistas quando estes saíam da Alemanha. E os guardas húngaros confiscavam salames das pessoas que saíam de Hungria.
Nos dias de inspeções surpresas, os trens de passageiros eram parados e inteiramente vasculhados — o que incluía revistar os passageiros, abrir suas malas e até mesmo rasgar o couro de suas valises. A Romênia era particularmente famosa por suas inspeções ferroviárias de fronteira, que duravam um dia inteiro.
Como disse Jan Vanous, um refugiado tcheco em Washington: “Eles estão chegando a um ponto em que irão pesar você quando estiver saindo do país e pesarão de novo, junto com sua bagagem, quando você retornar.”
Conclusão
Embora os problemas do COMECON fossem óbvios, a grande ironia é que eles não podiam ser resolvidos, pois a resolução deles levaria à destruição do próprio COMECON. Livre comércio e socialismo são tão incompatíveis quanto política e honestidade. Se as moedas do Leste Europeu se tornassem conversíveis, nenhum plano nacional de algum governo estaria seguro, pois empresas e indivíduos estrangeiros poderiam ir para esses países e adquirir o que quisessem, intensificando a escassez.
Enquanto o governo estivesse comprometido com o planejamento central, influências estrangeiras tinham de ser minimizadas e estritamente controladas.
Ludwig von Mises alertou em 1920: “O socialismo é a abolição da racionalidade econômica”. As excentricidades do COMECON foram uma das mais vívidas provas da insanidade que é tentar abolir os mecanismos de preços.
Uma versão deste artigo foi publicada no The Wall Street Journal/Europa em 25 de janeiro de 1987.
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